Bruta Flor
Dilacerado
Ficha Técnica
Produção e Direção Artística: André Morais
Mixado por Giulian Cabral
Masterizado por Carlos Freitas, Estúdio Classic Master
“André Morais faz da sensibilidade seu argumento maior para cada canção que assina e interpreta. Cercado de artistas de primeira grandeza, ele faz do seu primeiro disco um retrato da sua alma musical e mostra bem qual caminho pretende percorrer na música brasileira”.
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Sobre
Bruta Flor é o disco de estréia do ator, cantor e compositor André Morais.
Baseado no espetáculo teatral de mesmo nome, um monólogo-musical onde o ator vive um trovador que conta e canta sua história, Morais compõe canções inéditas em parceria com importantes nomes da música brasileira: Carlos Lyra, Chico César, Sueli Costa, Ná Ozzetti, Edu Krieger, Marco Antônio Guimarães, Ceumar, Giana Viscardi e Milton Dornellas. Também faz releituras de Villa-Lobos e Bach, além de apresentar de forma dita versos de Paulo Leminski, Emily Dickinson, Baudelaire e Caio Fernando Abreu.
Com as participações das cantoras Tetê Espíndola, Mônica Salmaso, Ná Ozzetti e Ceumar, além das adesões dos músicos André Mehmari, Nonato Luiz, Sueli Costa, Toninho Ferragutti e do Quarteto Pererê, Bruta Flor é um trabalho que tece sensível encontro entre a palavra teatral e a palavra em harmonia.
Foi vencedor do Prêmio Nacional Grão de Música em 2014.
Plataformas
Letras
Cada manhã que nasce
me nasce
uma rosa na face
Leminski
1. ÂMAGO
(Marco Antônio Guimarães/ André Morais)
Flor se abriu em pleno inverno
Nasceu, feriu desafiou suave o tempo
Eis a vez, mais uma vez
De se olhar e ver ao longe
No horizonte, além do monte
Mais adiante
Está o abismo do sonhador
Fui eu quem saltou
Ainda faz calor
Abraço a dor
Nu como estou
Eu faço o céu de cobertor
Olha a lua, olha o dia
Lhe deixei na escrivaninha
Um botão de flor vermelho
como a vida
Plantei mil flores no teu quintal
Mil flores ao mal
Mal de amar enfim
sonhar enfim, arder no fim
E a tarde cai em queda livre
Cai a fonte, se faz rio
Corre em terra, chega ao mar
E sobe em nuvem, chora em chuva
Molha o rosto
De alguém que olha na multidão
Infernos no céu
O dia vai nascer
Me espera
Quando menos se espera
Uma flor vai se abrir
Revelando o segredo de ser
Sou eu o beija-flor primeiro
extraindo no sumo do amor
A canção que se fez
A flor traz no âmago a dor
Eram três da manhã
No relógio da esquina
Que há tempos parou
Violão e Arranjo: Nonato Luiz
Violonecelo e Arranjo: Dimos Goudaroulis
Citação de versos de Paulo Leminski.
2. LUA-ME
(Carlos Lyra/ André Morais)
Morder o fruto do absurdo
Que no sumo traz
A vida num segredo
Sinta o paladar
Saliva o mar
Eu me vento, me salino
Me seivo, me flor
Me verbo, me alvoreço
Me versejo à dor
Aurora-me
Passarinho-me
Morena-me de lume
Lua-me ao céu sereno
Eu intrasitivo amor
Insaciável ser
Passeio, peregrino
Por terra e tez
Língua-me o sol
Eu me vinho, me sangrio
Seio-me na voz
Na terra seca
Úmida de teus lençóis
Chuva-me em paz pelo mundo
Piano e Arranjo: André Mehmari
3. PEQUENAS EPIFANIAS
(Ceumar/ André Morais)
*participação de Ceumar
(voz e kalimba)
Será que doce um dia foi o mar?
Um peixe virou sabiá?
E então vivia Deus na lua?
Ou se perdeu na noite escura?
Será que o sol é feito fruta?
Que à tarde cai de tão madura?
Me diz o vento o que procura?
Passou com pressa ainda pouco?
Nascemos de um pequeno sopro?
Ou é um imenso ventre o mundo?
Esconde a pele um mar profundo?
O amor é rota de navegador?
Fisgou a dor o pescador?
Costura a flor botões caídos?
Bate no sol um coração frio?
Jogou-se a paz de um precipício?
O verbo espera o seu princípio?
Quantas estrelas há no céu da boca?
Palavra voa ou povoa?
Com quantos ventos se perdoa?
Do seio escorre a via-láctea?
Os grilos fazem serenata?
Por que é tão pequeno o mar imenso?
Quantas cavernas abre o tempo?
Quantos outonos têm um dia?
É doce o mel da melancolia?
E chora a chuva sua alegria?
Ou se derrama em alforria?
Será que mata a bala de hortelã?
Será que a vida é uma poesia vã?
Será que a morte tem sabor maçã?
Ou negro é o seu vestido?
O fim é morte ou infinito?
4. LEVE
(Milton Dornellas/ André Morais)
Leve lavra o amor
Em trigo, em verso, em dor
Em desumano afeto
Na pele em poro aberto
Meu coração
Lascivo e lunário
Se lança num salto
Ao doce presságio
Lábios vertem Deus
Alma secretamente nua
Suma flor
Paira vertiginosamente
Em seu pudor
Flor em carne viva
Em carnaval
Ferida aberta que a poesia
Nutre a dor
Um céu em furta-cor
A vida em seu supor
Meu verso corre ileso
À espera do primeiro
Sopro de amor
Assim bem de leve
No ouvido que pede
Um suspiro que entregue
O que tu és, o que sou
Te vejo melhor na escuridão
Nenhuma luz me basta
Meu amor é um prisma
Que o violeta ultrapassa
Emily Dickinson
Violão e Arranjo: Nonato Luiz
5. DO AMOR
(Giana Viscardi/ André Morais)
Faz amor comigo
você que ouve essa canção
faz amor comigo
do lume a escuridão
Faz amor comigo
Barro, pele, mansidão
Faz amor comigo
me ativando a solidão
Use a dor e o coração por dimensão
no meu peito, bem no centro
há um grão de perversão
Faz amor comigo
com duas gotas de limão
Faz amor comigo
mulher, homem, bicho, cão
Passe a língua em cada
ponto de ilusão
o teu ar encontra o meu
numa explícita canção
Alaúde renascentista, guitarra barroca,
teorba e arranjo: Guilherme de Camargo
6. CANÇÃO MERETRIZ
(Ná Ozzetti/ André Morais)
*participação de Ná Ozzetti
Essa canção se dá a qualquer um
Ao nascer do sol mais comum
Ao serenar de um ser em dia bom
Essa canção é onda leve
silêncio que se atreve a ser canção
lábios que umedecem
em sal, suor e oração
Virgem Maria
Desvirgina-me com teu manto
Toda canção é uma mulher
lhe dando o seio
em notas de alimento e desejo
E essa canção é toda tua
Pura e pontiaguda
Virgem Maria
Desvirgina-me com teu manto
Faz a canção chegar aos ouvidos
À ponta dos mamilos
Faz a canção prostituta
Dulcíssima e nua
Que se entrega de graça
Ou por simples cantarolar de sua graça
Piano e Arranjo: André Mehmari
7. AVE MARIA
(Bach/ Gonnoud)
na voz de Tetê Espíndola
com citação de trecho do texto teatral Bruta Flor
de André Morais
É da minha natureza amar
é da minha natureza desvirginar
a natureza das coisas
Foi ela que me fez homem
foi a natureza que me comeu
pela primeira vez.
O feminino sempre comeu o masculino
desde que o mundo é mundo.
Eu era um menino,
deitado na areia escura e úmida
do quintal da minha casa, à tardinha,
quando fui engolido pela natureza…
delicadamente, ela me bebeu,
jorrou da minha fonte mais oculta
todo prazer de sentir o corpo da terra nua…
Abri os braços tão forte que
quase pensei envolver a terra toda
num abraço e o meu corpo nu
deitado de bunda lisa para o céu
tornara-se enfim o corpo de um homem,
sem nenhum segredo…
No outro dia de manhã,
nasceu um pequeno olho d’água
no canto do muro da casa
formando um riozinho doce…
me sinto o dono dessa fonte,
sei que ela é feita da água
doce do meu primeiro gozo.
Concepção e arranjos vocais: Tetê Espíndola
8. SEIO
(Chico César/ André Morais)
Beija o meu seio
E aflora o desejo
Num lampejo
de amor primeiro
A pele pede o toque
E o sangue corre
Escorre, percorre
Léguas como um rio
Lambe as minhas coxas
Lantejoulas no vestido
E um decote infinito
Os seios são terra à mostra
Deus é mulher como eu
As mãos que acolhem
As unhas que ferem
O silêncio que antecede
Eu fui mulher antes de ser lua
Eu fui antes de tudo tua
Sou tua nua noiva
Num imenso véu
Branco e encardido
Espero um filho
Meu leite é vinho branco
Águas de um leve pranto
Nasce-me um poema
Bêbado e amando
Eu fui mulher antes de ser lua
Eu fui antes de tudo tua
Arranjo: Quarteto Pererê
Alessandro Ferreira (violão de 7 cordas)
Edson Tadeu (gaita)
Francisco Andrade (viola brasileira de 10 cordas)
Tchêlo Nunes (violino)
9. O CANTO DO CISNE NEGRO
(Heitor Villa-Lobos)
*participação de Mônica Salmaso
com citação de poema de C. Baudelaire.
Sobre o céu e o mar
Muito alem do sol e do horizonte
Para alem dos tetos estrelados
Meu espírito vai
Ágil, levado por volúpia
Vai em busca de um ar superior
Na sede de beber
Como um puro e divino licor
O claro fogo que enche
Os límpidos espaços
Quero abandonar todo peso
E lançar-me rumo ao céu da manhã
Em vôo plano sobre a vida
Para entender afinal
A linguagem da flor
E da matéria sem voz
Arranjo: André Morais
Violão e arranjo: Felippe Francis
Violoncelo: Andrêyna Dinoá
Arranjos vocais: Mônica Salmaso
10. DE CORPO ABERTO
(Sueli Costa/ André Morais)
Está em mim aberto o caminho
como a terra se abre para o rio
como nas veias corre o sangue em fio
A noite se abre para o dia
O ventre se abre para a vida
À beira do mar imenso
braços se abrem ao vento
E meu corpo aberto
no instante de um verso
ergue os muros de um castelo
onde mora um ou dois segredos
que por descuido agora revelo
Piano e Arranjo: Sueli Costa
11. DESPRIMAVERA
(Edu Krieger/ André Morais)
Ávido amor em paz se deu
Flama que o dia me acendeu
Atravessando os sonhos meus
Se entregando ao mundo ateu
Nasce fúria como o sol
Na violência de uma flor
A natureza se guardou
Num instante habita
Um mar em euforia
A chuva fina, a dor umedecida
Fonte em sobrevida
Que do amor nascia
Me correu no sangue e na poesia
Amanhã à meia noite volto a nascer.
Você também.
Que seja suave, perfumado o nosso parto
entre ervas na manjedoura.
Caio Fernando Abreu
Acordeon e arranjo: Toninho Ferragutti